quinta-feira, janeiro 25, 2007

Noite de fados...

Silêncio! Ora bem! Vamos a ver se consigo cantar contar esta estória, já lá vão algumas horas desde que estou acordado e tenho de voltar a despertar dentro de poucas horas, desta vez para trabalhar a sério.
Esta noite estava eu sentado em casa, absolutamente aborrecido com o maldito dia que tinha tido na faculdade, quando decidi, "vou dar uma volta!". A certeza foi tanta que em menos de cinco minutos estava na rua e em menos de dez, a caminho de algum lado, sozinho. Durante a viagem pensei, aqui está uma triste imagem, eu, no carro, a caminho de lado nenhum, sozinho.
Passada a depressão decidi ir ao bairro alto, sitio que conheço e onde há sempre gente. Já era meia noite, durante umas horas andei a deambular pelo bairro, em busca de imagens e alguma inspiração... talvez para escrever mais um texto.
Depois de algumas voltas e bastante frio, encontrei o catacumbas, um antigo bar jazz, um dos meus favoritos, entrei, um mar de gente absolutamente indiscritível, movimentar-me era impossível. Mesmo assim fui batalhando caminho fora até ao palco, tentando não entornar a cerveja e arranjando maneira de lesionar o máximo de pessoas (talvez assim o bar ficasse mais vazio). A banda tocava um jazz pesado, muitas pausas e acelerações, pareceu-me ser jovem, afinal de contas algumas das melodias que apareciam no meio das musicas eram minhas conhecidas das rádios pop, conheci um casal de ingleses que me perguntaram o que era o bairro e se era "apenas aquilo" que Lisboa tinha para dar numa noite de quarta-feira. Algumas horas passaram.
Depois de abandonar os ingleses com um trio de alentejanas absolutamente grogues no bar dos vodkas, parti em direcção ao carro. Aqui inicia-se o momento mágico da minha viagem ao bairro. Numa decisão inesperada, optei por passar à porta da tasca do Xico. Muita gente, mulheres com casacos de peles rascas, pessoal com um ar de poucos amigos, mas todos felizes. Ao ver tal espectáculo decidi investigar se haveria ou não Fado, claro, "hoje há Fados" escrito na porta, imediatamente esbocei um sorriso. Perguntei a uma senhora com um certo ar de fadista, "hoje ainda há fados?", a resposta veio em brasileiro, uma pequena desilusão, claramente não era esta a fadista, mesmo assim não perdi a esperança. Entrei e pedi um imperial. No bar a trabalhar em conjunto com as já conhecidas "brasileiras do Xico", o mesmo Xico que no ultimo ano de ETIC me tinha pedido para ouvir fado e ver se não gostava. O resultado desse desafio foi obvio, ouvi, gostei e ainda não larguei. O Xico continua igual, seja como for essa noite que a mim tanto me marcou, pouca mossa fez na cabeça dele, como seria natural. Depois deste reencontro (unilateral) fui me sentar, como já é clássico meu sentei-me na mesa com o gajo (porque aquele homem apenas pode ser referenciado como gajo, porque senhor é para meninos e ele n estava para isso) mais distante da minha realidade. Calhou o meu companheiro de mesa ser um local muito querido da população da tasca, mesmo sendo a sua informada opinião sobre qualquer assunto ouvida e tomada seriamente em consideração. Para conseguirem visualizar a figura, 1.80M, não parece gordo porque era muito alto, um par de mãos que tinham o tamanho do meu tronco e umas patilhas até às bochechas. Depois de muito ouvir a animada conversa entre ele e um senhor mais franzino (mas que claramente não tinha medo do gajo), eis que entra o anunciante da festa. O programa e razão para aquele povo todo era simples, o baptismo da Daniela, uma jovem fadista que iria ser baptizada pela sua madrinha e o seu padrinho, madrinha de seu Cidália Amoreira e padrinho... com uma forte voz mas de quem não me lembro o nome. O primeiro conjunto de fados foi interpretado pelo padrinho, fados tristes, muito bem cantados, o fadista mais parecia um agarrado, mas é o aspecto que faz o fadista, e fadista que n estacione carros, não canta népias! Eis que entra o segundo acto, antes de se dar inicio a este segundo acto o anunciante da noite, dá os parabéns a um fadista que se encontrava na casa. Cantam-se os parabéns. O povo está feliz e contente, o anunciante tentar manter a calma do publico para ter o tão desejado silêncio, eis que no meio desta barulheira alguém faz o absolutamente impensável, levanta-se e dá os parabéns ao aniversariante! O anunciante, absolutamente sexagenário e claramente em boa forma física, perde a cabeça e começa a ordenar a quem se levantou que se sente, o outro jovem sexagenário que se levantou recusa-se a sentar excepto se for pedido com bons modos, segue-se a troca insultos, ainda que sem ordinarices, como um deles disse, depois começam os empurrões, ora que se prepara para saltar o primeiro sopapo... a tasca agarra os dois jovens e pede-lhes que se acalmem, o senhor da minha mesa, chora, chora como já não chorava à anos (ficou no mínimo 30 anos mais novo), há quem grite "isto sim é fado!", a balbúrdia é total, são trocadas cervejas, um moço foge com um copo de vidro para a rua e disse desatar a correr, o segurança ainda ameaça correr, mas a barriga não o permite entretanto volta-se a gritar "ALTO! QUE SE VAI CANTAR O FADO!". Eis que o povo se cala. Como é isto possível, questiono-me eu? Seja como for a próxima interpreter era nada mais nada menos que a própria Daniela. Nota-se que ainda é nova nestas coisas do fado, mas o Cámané olha para ela dando-lhe força (estava lá, a verdadeira festa, mas não cantou :( ). De seguida entra a estrela da noite, a Cidália, uma mulher meia cigana, meia espanhola e um nada de portuguesa, velha, e gasta do álcool. A surpresa é absoluta, a voz é igual à das espanholas, grave e baixa, mas com uns berros no meio das musicas, finge que toca sevilhanas enquanto dança, o espectáculo é único, as musicas acabam e o povo grita! A preferida do trio apresentado é obvio, mas hoje não é dia de guerras, mas de baptismo. Finalmente o baptismo, uma encharpe molhada em champanhe posta na nova fadista, muitas fotos e mais um fado! A festa é grande. Aqui acontece algo novo que nunca tinha ouvido, o improviso, o guitarrista e a fadista Cidália inventam uma musica ali, cantam os dois, entram num bate bocas um pouco ordinário, mas justificado por ser divertido.
Uma noite de festa solitária.


P.S.: Não consegui mesmo escrever tudo, nem bem. Mas escrevi!

domingo, janeiro 21, 2007

Tranquilidade...

Não compreendo. Sou um estudante das pessoas, vejo e revejo, acções, atitudes, formas, fluxos, ambientes, tudo que me interessa são as personagens. Chego a conclusões, sempre sem fundamento com a excepção do momento, a partir dai desenho o futuro, das personagens e mais interessadamente o meu.

Funcionou durante muitos anos, talvez eu fosse mais observador do que sou agora, talvez tenha tido sorte, provavelmente sempre falhou mas nunca me apercebi dos erros, agora... sofro cada vez mais com a acumulação desses erros. Sofro porque não percebo, as peças não encaixam, sinto me alguém de sessenta anos no mundo moderno, quando me vêem sou transparente, não tenho segredos, quando vejo não vejo, percebo mas rapidamente me desiludo com a solução errada. Sinto-me a saltar a fase em que se é confiante e determinado, passei da adolescência à terceira idade, nunca cheguei a ser adulto, acho que nem sequer fui um jovem adulto onde acredito no que a minha mente me diz, mesmo desconhecendo a verdade.

Acredito que mesmo assim hei de conseguir ter a cabeça arrumada, não é possível que fique confuso sempre. Afinal de contas ainda hoje, a menina que estudava no centro comercial sorriu-me, o meu amigo com o inesperado filho cumprimentou-me e olhou-me com o ar de quem diz que estou no caminho certo a estudar, a senhora que me vende o café continua surpreendida com a quantidade de vezes por semana que estudo e os velhotes da mesa do lado espreitaram para as minha matérias e comentaram como devem ser interessantes e como no tempo deles lhes custava estudar mas como também era bom estar com a Marianinha lá do colégio. Tudo isto são sinais positivos, não?

Continuo esperançado que sejam sinais, de que qualquer dia conseguirei ter, ou pelo menos iludir o próximo de que estou tão tranquilo como ele. O meu objectivo ainda é o mesmo de quando entrei na faculdade, de resto é o único ponto que se mantêm igual, a minha obsessão com a inatingível tranquilidade. Não quero riqueza, nem poder, desejo apenas tranquilidade. Provavelmente é o que me falta, um objectivo ambicioso, alguma ganância de desejo de poder, talvez se conseguisse interessar-me em ganhar mais de que o próximo, ganharia também a sua tranquilidade. Mas como se pode ganhar tranquilidade roubando-a a alguém? Não é incomodativo ser um ladrão de tranquilidade? Sangue frio e racionalidade é tudo o que é preciso. Talvez... Mas não me interessa, quero uma tranquilidade construída por mim, algo que eu conheça e saiba porque ficou assim, mais importante, que não me possa ser roubada.

Parece desinteressante esta ideia de tranquilidade, todos apreciam o movimento e o estremecer natural das coisas, mas continuo sem me importar muito, talvez quando me importar as coisas mudem.

Falta-me crescer, ganhar aquele gostinho a sangue para me tornar em mais uma maquina de matar num fato, onde a alegria vem com o ordenado e as grandes questões de dividem entre o que se ganha e o que se faz. Mas por enquanto as questões continuam a estar ligadas ao desejo da tranquilidade, ao contribuir para a tranquilidade dos outros, ao fazer o melhor que se pode e que se acha, finalmente, à bimba imagem do nascer do sol na praia, que é sempre um cliché, mas continua a ser a melhor sensação do mundo!


P.S.: mesmo depois de tanto tempo sem escrever, continuo sem fazer sentido.