quinta-feira, janeiro 21, 2010

As bengalas do meu avô...

 O meu avô tinha uma bengala de madeira... ou melhor tinha várias bengalas, todas com madeira, algumas com um punho de ferro, uma com uma cabeça de um pato e uma luz, comprada em Espanha pelo meu tio e o meu pai, se não é da minha imaginação, uma que era uma espada e muitas outras tão ou mais divertidas. Normalmente amontoavam-se todas no bengaleiro da Pascoal de Melo, que via todos os Domingos à tarde, tenho ideia de quando era muito pequeno não existirem, mas mais tarde começarem a amontoarem-se umas atrás das outras.
 Antes das bengalas se amontoarem acho que todos os Domingos só havia avô mais ao fim da tarde, estava na rua. Nessa fase era muito pequeno, as sensações que tenho dessa altura são todas meio difusas, uma baralhada, típicas de criança onde nada do mundo dos adultos faz muito sentido. A ideia que tenho do meu avô sem bengala é a de apreciar coisas bem Portuguesas, os encontros no café, os grupos de amigos, os pequenos negócios e a rua. O amontoar das bengalas foi proporcional ao tempo que havia avô na Pascoal de Melo aos Domingos, mais bengalas, mais avô.
 É estranho como o que conhecemos em criança nos afecta mais tarde, hoje estou em Berlim, cada vez mais ligo o que me falta aqui, ao que herdei do avô. Os amigos, os cafés e a rua. Berlim é a cidade para se viver quando se está nos vinte, é uma experiencia que vai ter um fim precoce e isso entristece-me, mas não tem rua, não tem amigos que não se sinta que vão desaparecer porque os vinte são só mais uma fase, acima de tudo não tem rua. Para além disso comecei a reparar que também não tem bengalas de madeira, todas a bengalas são de ferro e plástico, duram mais. Para que é que alguém quer uma bengala de ferro, não é quente, não é bonita e não se gasta. Gosto de bengalas gastas, um dia, quando só forem precisas bengalas por opção e eu escolher ter uma, quero uma bengala de madeira, uma bengala que se gaste, que fique com um pouco do meu peso e do suor da minha mão. Só agora reparei que também herdei isso.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Ai que sono santo Deus...

Já gritei para os coldplay, já gritei para os silence four, já gritei paras os underworld (que me acordaram de um sono profundo em pleno Sudueste!), já gritei para John Butler Trio (o melhor concerto da minha vida), já gritei para grandes ondas! Nunca gritei para uma pessoa, ou pelo menos da mesma forma.
À umas semanas apercebi-me da gravidade disso, devo ter defeito. Não pode! Não pode ser! Mas porquê, se todos o fazem? Isto levou-me a racionalizar o assunto.
E pronto!

sexta-feira, setembro 25, 2009

revoltas disparatadas...

Hoje vinha no metro a ouvir uma conversa que não era minha, como de costume. Os intervenientes dois gays que se vinham a queixar entre risos o difícil que tinha sido a adolescência deles. Eu percebo, foi difícil, acredito.
Hoje em dia é aceite que qualquer gay teve uma vida difícil, mas porquê? Porque qualquer gay chega aos vinte e de repente está rodeado por pessoas que tiveram a mesma experiencia que ele, a partir daí é palmadinhas nas costas, é o lobby, é ser cool, enfim... Tudo a que têm direito. Será que ainda há o direito de ter pena? Porque não há pena pelo único estudante com uma casa numa sala de aula da preparatória onde todos os outros moram em barracas, é fácil? É fácil ser educado com boas maneiras e preparado para estudar e se tornar num respeitoso cidadão, sair-se de casa na adolescência descobrir que no seu bairro é o único a receber esse tratamento? O que acham que acontece? Onde estão as palmadinhas nas costas para o único branco na turma do Dangerous Minds? Não há. Tudo corre bem, é hetero, tem algum dinheiro e um bom futuro o aguarda. Mais que este caso, que tal aquele que foge do seu próprio país para Europa esperando que tudo seja mais fácil, só para perceber que é um jogo diferente? E o outro que faz um filme na escola mas tem medo de o assinar porque alguém do outro lado do mundo pode vir atrás? Ou por e simplesmente o gay que nasce na Etiópia?
Estas não são as crianças que morrem à fome em África, os extremos não são o exemplo. Todas estas pessoas, viram os mesmos filmes que eu, leram os mesmos livros que eu e como resultado temos os mesmos sonhos que eu, sonhos quase frustrados mas que a vida tende em dar gota a gota para sentirmos que não há tempo suficiente, apenas para que no fim se perceba que afinal é tudo aleatório e ninguém sabe bem o que anda a fazer.
O rapaz da barraca que vinga na vida, é uma pessoa especial, precisa de ser acarinhado e ouvido quando chega ao topo, pois ele sabe bem como foi difícil e o que é preciso para o fazer, mas e a classe média? Não é rica, portanto nunca terá o berço de ouro que parece sempre tão bom mas que acaba sempre por estar repleto de espinhos, nem é pobre portanto não vai receber mais nada do que o cheque mensal e talvez um artigo na revista da empresa. A verdade é que quem lá está, cada vez há menos, leva por cima e por baixo, ou não tem poder suficiente ou teve mais oportunidades que todos os outros. Incrivelmente não há palmadinhas nas costas, não são ouvidos e os próprios tendem em esconder-se como resultado do que aprenderam ao longo da vida. Uma corda bamba que se movimenta com as marés de quem está por cima e treme com as ameaças de quem está por baixo.
Este é o sitio que conheço, provavelmente o único onde viverei bem, na sombra. Não tenho pena nem preciso de palmadinhas, mas temo que deste lugar apenas os próprios o consigam ver como é.

Melhor descrição que esta sobre o que penso é o discurso do Edward Norton no 25th Hour, em parte é nele que me baseio. Claro... não consegui dizer o que queria.

sexta-feira, setembro 18, 2009

mais de um ano...

Hoje fiz um post de um novo texto, escrevi-o em 31-01-2008, podem procurar.

Desde do dia que escrevi esse texto passaram-se algumas coisas, trabalhei, aprendi e até me apaixonei. Quando o escrevi achei que dali a um ano teria certezas, saberia para onde quero ir. Já lá vai mais de um ano e estou tão perdido quanto estava.
O estado das coisas é o mesmo, o sítio é outro. No início senti-me especial por estar a saltar para outro sítio, achei que não haviam muitos, agora percebo que muitos o fazem. Tenho os vindo a conhecer, praticamente todos partilham a mesma história que eu, queriam experimentar.
Mais que em Madrid, em Berlim todos os dias me cruzo com alguém novo que não é de cá. As razões variam, mas em muitos identifico-me, tento não ter preconceitos, é difícil, conhecer um Chinês, Iraniano, Indonésio, Romeno, Inglês e tantos outros, sem pensar na ideia que tenho formada na cabeça sobre como devem ser. Vêm de países com guerra, com poder ou por e simplesmente com culturas diferentes e inaceitáveis para mim. Depressa fico a perceber que raramente a ideia que tenho é a realidade deles, mas ao mesmo tempo não estou completamente errado. Os Chineses são de facto muitos, os Inglês bebem demasiado e os Iranianos protestam na rua contra o seu presidente, mas todos eles conhecem os mesmos livros, programas de televisão e momentos importantes no mundo, que eu conheço. Quando os conheço é como estar numa espécie de terreno neutro, como se estivesse no aeroporto, regras e protocolos muito próprios, todos os temas são abordados com cuidado na primeira vez, até que se encontre um sitio confortável onde tenhamos o mesmo conhecimento, a partir daí vamos explorando o que não se sabe, a cultura. Na parte da cultura é que se fica apanhado, um tema de vez em quando aborrecedor para quem responde, o que tem de especial eu achar que uma viagem de duas horas é uma grande viagem ou que estar atrasado em minha casa é chegar meia hora fora do tempo esperado? Para um Russo é uma novidade um sitio onde se vive assim, menos de mil quilómetros é mesmo ali ao lado e dez minutos de atraso é inaceitável.
A verdade é que isto de estar fora de casa é violento, da terra, ouve-se falar em amigos que compram casa, que assentam com as namoradas, que começam a trabalhar à séria, tudo parece bem, enquanto cá, tudo parece parado e nunca se sabe se esta foi uma boa ou má decisão.
À uns dias uma rapariga que vai para Austrália um ano perguntou-me se estaria a fazer bem em se ir divertir e trabalhar um ano fora quando sabe que tem de voltar para fazer o curso. O medo é que a viagem altere a sua perspectiva, quando voltar já não queira estudar o mesmo e que tenha adiado as obrigações tempo demais para as voltar a cumprir. Disse-lhe que tinha feito o mesmo e que me arrependia muito de não ter acabado o que tinha para acabar na altura devida, mas que se voltasse atrás, por enquanto, ainda achava que faria exactamente o mesmo, ficou tudo mais difícil mas o que pude levar comigo neste ultimo ano vale muito mais do que o esforço que tenho de fazer agora. Não sei quanto tempo esta minha teimosia irá durar, espero que sempre.

Parar de escrever, faz com que agora seja mais difícil articular as ideias... espero que melhore.

sexta-feira, maio 08, 2009

Wordle do meu blog

Uma imagem que reflecte este blog.
Wordle: O centro do mundo no meu umbigo
(vi no blog do amigo Pestana)

segunda-feira, julho 21, 2008

Madrid num parágrafo

Tudo isto é demasiado para o que estou habituado, cada vez mais me sinto a cair no mundo dos contentinhos. Madrid? Quem quer saber? Gostava de puder contar com um daqueles "Madrid é:", mas a verdade é que não é. Madrid são. São milhares de coisas que não consigo descrever, mas em grande parte é voltar a sentir alguém a puxar pelas minhas pálpebras para ver melhor, que me mostra que nunca percebi nada e tenho tudo a aprender, Lisboa volta a ser uma aldeia, minha, mas uma aldeia. Madrid está a bater com tanta força como o calhau que conheci intimamente em Algés, mas gosto desta pedra. Por enquanto compreendi que ainda me falta ver muito, falta-me ver tudo, o calor e os turistas não ajudam a variar, no entanto não é só por ser Madrid que percebi que não podia estar mais errado quando pensei "afinal fico em casa", não estou em casa. Estou muito longe do que é casa, estou longe dos papás, das manas, dos brothers de todos, estou a fazer maquinas de roupa e a prestar atenção ao que os meus colegas de casa cozinham para que possa comer algo mais que bifes, o pouco tempo de net que tenho no trabalho, aproveito para ver o site do Ikea para descobrir uma cama e uma saboneteira, passo o tempo todo a mirar caixotes de lixo que possam ter moveis, limpo o chão e a louça, faço a cama e arrumo a roupa, tudo o que aprendi em casa a ter uso, finalmente, porque desta vez ninguém me vai dizer que não posso viver assim, tenho de ser eu. Faço a paralelismo com o Interrail muitas vezes, erradamente, isto é outra coisa, vou passar sete meses nesta casa, cheiro os problemas e o trabalho de me manter saudável. Nada de grave, pois tresanda a festa e sensação que há tanto procurava, a mesma de deslizar aquela onda, aquela que achava que não ia dar, mas que fica com mais de dois metros sem eu estar à espera, um misto de medo, adrenalina e alegria, não me estou a ver ainda a querer parar de deslizar... e as saudades? Andam ai, ainda hoje, depois de uma noite menos própria para um domingo, o mal-estar de pouco dormir junta-se à saudade, os amigos, a família, a minha Lisboa, os espanhóis mal encarados, brutos, sem saber o que é café e o que é água suja, vai custar, este ainda foi só o primeiro aperto. Passou mal cheguei a Velásquez e mais uma vez percebi que as mulheres do meu bairro também andam em Beverely Hills, que este domingo vou voltar a beber um Frappucino e comentar a noite anterior, que talvez vá a uma feira ou a um evento bizarro como a guerra de água em Vallecas, que provavelmente irei conhecer mais uma pessoa que nunca tinha visto antes e que embora não tenha a ver comigo, também gosta de viajar, também está feliz em Madrid, também quer ser bom no que faz e também quer é só divertir-se um pouco. Quem pergunta pelas paixonetas?... Somos vinte, temos entre 22 e 30 anos, não temos problemas em gastar dinheiro, queremos nos divertir, os espanhóis são feios, as espanholas são uma perdição, faz calor e estamos numa gigantesca cidade no meio do deserto... "é fazer a conta". O trabalho...nunca me senti mais estúpido, também poucas vezes olhei para algo tão estúpido e achei que se souber carregar nos botões certos posso ter surpresas. Muito claramente, passo o dia num open-space a programar coisas básicas e ninguém se interessa se está bem ou mal sem ser eu, tal como em Lisboa pensei, depende de mim. Ainda agora estou a dar os primeiros passos, mas já quero correr. Venham cá ver por vós. Vou jantar e tratar de passear no Retiro para refrescar. :D Adios!

terça-feira, maio 27, 2008

Caro Amyr...

À muito tempo cruzei-me com este texto...

"Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livro ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".
("Mar sem fim"- Amyr Klink)

Na altura não consegui deixar de pensar nele, agora preparo-me para uma curta aventura, que mesmo sendo aqui ao lado, espero que me dê mais fome de viagem.